15 de nov. de 2011

VARIAÇÕES SOBRE O MESMO TEMA


PROFISSÃO DE FÉ
Neto Medeiros


            Estava eu, quieto em minha quitinete, com a boca escancarada e cheia de dentes como diria Raul, em meu ócio meramente improdutivo, “zapeando” os canais da TV em busca de algo interessante para ocupar minha cabeça cheia de nada. Diante da “infinidade” de escolhas que só a televisão aberta nos proporciona, parei. Achei o que tanto procurava.
            Engraçado. Como sempre, naquele canal, o mesmo pastor a falar com seu grande rebanho e a vender coisas. Reparei que sempre que eu parava naquele canal pela primeira vez, exatamente naquele horário, confundia-me a cabeça a astúcia como o religioso sempre estava a vender coisas. Eram raros os momentos de “reflexão” sobre o livro sagrado dos cristãos. Talvez, em outra “zapeada”, ele estivesse a orar com seus milhares de ouvintes. Mas religiosamente, com o perdão do trocadilho, sempre que parava naquele canal pela primeira vez, o Pas-ator estava sempre a vender algo. Ora era a TV do Céu, uma TV por assinatura e sem as novelas do demônio, ora era a Revista Abençoada, que conta todos os bastidores dos êxitos da igreja (claro, informando direitinho como se ajuda a “obra”) e ora devidamente informando como os fiéis podiam adquirir seus boletos bancários para pagar o dízimo...
            Deus e sua conta bancária a parte, bocejei. Voltei a trocar os mesmos canais como a mania besta que temos de abrir a geladeira a toa, só pra conferir o que tem lá, sabe? Mesmo que lá, como no meu caso, não tenha nada.
Não conseguia parar de pensar num dilema: “Será que se o rebanho atrasar o pagamento do boleto, eles pagam juros?”. Revoltado, bocejei, e voltei para o canal onde estava se vendendo a salvação. O apresentador agora não mais fazia o papel daqueles “emperucados” que vendem máquinas fotográficas nos programas sensacionalistas vespertinos. Estava pedindo, como sempre, que os fiéis dessem um testemunho sobre algo que a ajuda à “obra” teria refletido em suas vidas.
Uma senhora se levantou para relatar o que havia lhe acontecido. Quando seu filho se acidentou, ela lembrou que estava em dívida com a “obra” e correu depressa para quitar sua parcela com Deus. Ao pagar o dízimo, seu filho se recuperou instantaneamente. Depois, a senhora imensamente constrangida, estava ali, dentro da minha TV e se comprometendo em rede nacional a não mais atrasar suas parcelas.
Desliguei. Bocejei. Fui dormir. Acordei. Liguei de novo a TV e “zapeei” mais uma vez minha “caixa mágica” a procura de tédio para poder descansar. Ou rezar. Ou dormir. Depois de sair, voltar, e ligar novamente a TV, me lembrei de que tinha esquecido de pagar o aluguel no dia exato. Também era preciso achar o boleto. Também não lembrava onde tinha o deixado. Tinha que encontrá-lo logo e quitar minha dívida porque afinal de contas, a imobiliária “fura meus olhos” nos juros...

            


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